O G.E.A.R. e o aerodromo da Amadora

 A história dos primórdios da aviação portuguesa está diretamente ligada à Amadora, onde decorreram algumas das iniciativas aéreas pioneiras em Portugal, bem como ao aeródromo que ai existiu a partir de 1919 (Fig. 1) com relevante protagonismo numa época de pilotos audazes, que voavam em aeronaves incipientes e frágeis, as quais conheceram uma significativa evolução tecnológica neste período.

Fig. 1 - O aeródromo da Amadora nos anos 30 (foto arquivo Força Aérea)

No início do século XX, Portugal assistiu a diversos eventos aeronáuticos, marcados pela primeira tentativa de voo ocorrida no Hipódromo de Belém, em 27 de Outubro de 1909, protagonizada pelo piloto francês Armand Zipfel, aos comandos do aeroplano “Voisin Antoinette” de 40 CV. Esta primeira tentativa quase acabava em desgraça, levando à queda do aparelho após poucos metros percorridos. Mais consistente foi o voo de 27 de abril de 1910, realizado  por Julien Mamet, num "Bleriot XI, por muitos considerado como verdadeiramente o primeiro voo realizado em Portugal.

O Aero Clube de Portugal, associação criado em 1909, procurava nestes tempos difundir a aeronáutica no nosso país, apoiando diversas iniciativas, como foi o caso do Concurso de Papagaios realizado pela Sociedade Recreios Desportivos da Amadora a 7 de julho de 1912, que decorreu nos terrenos do "Casal do Borel".

Já em 26 de Janeiro de 1913 a Liga de Melhoramentos da Amadora organiza nova iniciativa, fazendo deslocar uma aeronave do hipódromo de Belém que sobrevoaria a Amadora, aterrando nos terrenos do Casal do Borel. O voo foi efetuado pelo piloto francês Alexandre Théophile Sallés, que viria a fazer uma aterragem algo desastrosa, destruindo parte do aeroplano. Viria a ser sobre o patrocínio da fábrica de espartilhos Santos Mattos que o avião seria concertado, estando apto a voar ao fim de pouco dias (Fig. 2).


Fig. 2 - O avião de Alexandre Sallés depois de ter sido reparado na Fábrica de Espartilhos em 1913 (foto (foto Wikipédia Francesa)

Em 1917 a Amadora viria a acolher o Festa Desportiva com demonstrações de voo, em terrenos onde se viria a instalar dois anos depois em 1919 o Grupo de Esquadrilhas de Aviação República (GEAR). Este foi criado por decreto de 6 de fevereiro desse ano, tendo por primeiro comandante o Capitão António de Sousa Maya. Foi a primeira unidade operacional de aviação militar em Portugal, integrando esquadrilhas de combate (nomeadamente aviões SPAD VII),  bem como de bombardeamento e de observação, com aviões Breguet XIV (Fig. 3).


Fig. 3 - Aeródromo da Amadora - ato oficial (arquivo Força Aérea)

O aeródromo da Amadora, que funcionou entre 1919 e 1938, situava-se no Alto Maduro, nos terrenos onde atualmente se encontra a Academia Militar. Albergou o referido Grupo de Esquadrilhas de Aviação “República”, tendo sido protagonista de alguns dos episódios mais significativos da história da Aviação Portuguesa. 


Fig. 4 - Edíficio sede do G.E.A.R. (arquivo Torre do Tombo)

Nos anos em que este aeródromo este ativo, a Amadora seria palco de importantes viagens áreas, nas quais destacamos as seguintes:

1920 – Tentativa de ligação à Ilha da Madeira - Sarmento Beires e Brito Pais;

1924 - Viagem a Macau (só ida) - Brito Pais, Sarmento Beires e Manuel Gouveia;

1925 – Viagem à Guine (só ida) –Sérgio Silva, Pinheiro Correia e Manuel Gouveia;

1928 - Viagem a Moçambique (só ida) - Pais Ramos, Oliveira Viegas, João Esteve e Manuel António;

1930 – Viagem a Goa (só ida) -Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel;

1930 – Viagem à Guiné e Angola (só ida) - Carlos Bleck e Humberto da Cruz;

1934 – Viagem a Timor, Macau e India (ida e volta) - Humberto da Cruz e António Lobato.


Fig. 5 - O Breguet Br-14 A2, denominado de “Cavaleiro Negro”, que efetuou a 1ªTentativa de ligação à Ilha da Madeira

Para além das referidas viagens pioneira, o aeródromo da Amadora assistiu a um conjunto de eventos que marcaram à época a aeronáutica portuguesa, nomeadamente o I Certame de Aviação de 8 de julho de 1928, e o Festival Aéreo Internacional realizado em junho de 1935. De referir ainda o Festival Aéreo de homenagem ao aviador Plácido de Abreu, realizado a 4 de Novembro de 1934, bem como o cruzeiro aéreo às colónias, que teve início na Amadora a 14 de Dezembro de 1935 e que contou com a presença de Gago Coutinho.

Nos anos 30 o aeródromo serviu igualmente como aeroporto civil para alguns voos, em complemento  ao "Campo Internacional" de Alverca, antes da inauguração do atual aeroporto da Portela, 1942.


Fig. 6 - Avião Junkers de transporte de passageiros no aeródromo da Amadora nos anos 30 (foto retirada de painéis de GEAR – O Grupo de Esquadrilhas de Aviação República, Exposição Temporária)

A ligação da Amadora à aviação nacional iria terminar em 1938, altura em que é formada a Aeronáutica Militar, o que aliada às dimensões reduzidas das pistas da Amadora e às deficiências das mesmas (não sendo possível a sua ampliação dada a proximidade da povoação), levaram à extinção do Grupo de Aviação de Informação n.º 1 (como passara a ser designado o GEAR), tendo o pessoal e material sido transferidos para Tancos.

As instalações manter-se-iam na esfera do exercito e seriam integradas nos anos 50 na Academia Militar. Seria entretanto inaugurada a 9 de janeiro de 1960 uma lápide evocativa das viagens aéreas que saíram deste aeródromo.


Fig. 6 - Inauguração da lápide evocativa das viagens aéreas

Em 2020, os antigos hangares foram reconvertidos e reabilitados como instalações desportivas, recebendo a denominação “Edifício Polidesportivo Brigadeiro António de Sousa Maia”, primeiro comandante do GEAR.

A ARQA rem realizado com regularidade visitas ao espaço do antigo aeródromo, em articulação com a Academia Militar, visando promover a preservação da memória histórica deste lugar e a sua valorização.


Fig. 8 - Os antigos hangares do GEAR em 2011 (foto ARQA).

Fig. 9 - Visita pela ARQA aos antigos hangares do GEAR em 2011 (foto ARQA).

Fig. 10 - Visita aos antigos hangares do GEAR em 2023 pela ARQA (foto ARQA)


Texto: Eduardo Rocha e Nuno Neto.


Bibliografia:

- PEIXOTO, M. Lemos, Homens e Aviões na História da Amadora, Ed. CMA.

- CRUZ, Humberto Amaral (1935), A viagem do “Dilly”: Lisboa, Timor, Macau, India: 25 de Outubro 1934 – 21 de Dezembro 1934, Edição Sintra Gráfica.

- BEIRES, Sarmento de (1925), De Portugal a Macau, Ed. Seara Nova, Lisboa.

- Catálogo “GEAR – O Grupo de Esquadrilhas de Aviação República, Exposição Temporária, 21 de maio de 2016 a 14 de maio de 2017”, Ed. Núcleo Museográfico do Casal da Falagueira, CMA.



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