Voo Amadora a Macau -1924

No dia 2 de abril de 1924 teve início na Amadora uma das mais relevantes epopeias aéreas da aviação portuguesa, o voo Amadora - Macau. A sua partida oficial acabaria por decorrer em Vila Nova de Milfontes, já no dia 7 de abril, não muito longe da povoação de Colos, de onde um dos pilotos (Brito Paes) era natural. 

Postal comemorativo com os pilotos Brito Paes e Sarmento de Beires

A tripulação era constituída pelos pilotos Brito Paes e Sarmento de Beires, que efetuaram todo o percurso deste voo por etapas, bem como pelo mecânico Manuel Gouveia, que com a sua equipa preparou o avião inicial e realizou apenas os voos que reuniam as condições mecânicas e de peso adequadas, percorrendo as restantes por meios terrestres e aquáticos.

Os dois aviadores tinha participado no Corpo Expedicionário Português durante a I Guerra Mundial  e quatro anos antes tinham protagonizado uma tentativa frustrada de ligação aérea do continente à ilha da Madeira. Este facto não esmoreceu a sua vontade, pelo que começaram a pensar num objetivo ambicioso, efetuar a primeira viagem aérea de circum-navegação planetária. No entanto, dificuldades técnicas e financeiras, conduziram a um ajustamento do projeto, tornando-se Macau, à época uma possessão portuguesa, a nova meta da viagem. 

Ilustração Portuguesa N.º 947 de 12 de abril de 1924

Num quadro de exaltação patriótica e de afirmação do seu Império, que procurava equiparar os feitos dos aviadores ao dos navegadores de outrora, a jovem república portuguesa confrontava-se com um país em graves dificuldades, pobre e periférico. Quando as principais potencias vencedoras do grande conflito mundial, dos Estados Unidos da América ao Japão (incluindo as potencias europeias como o Reino Unido e França), mobilizavam importantes meios técnicos e financeiros para as suas viagens aéreas, os portugueses tiveram que recorrer ao seu engenho, procurando mobilizar a opinião pública para obter os necessários fundos, dada a ausência de apoio financeiro das autoridades e Forças Armadas.

Assim, o avião utilizado inicialmente foi um Breguet Br-16 Bn2, um antigo bombardeiro da I Guerra Mundial, que tinha sido adquirido em junho de 1921 com recurso a verbas angariadas por subscrição pública e por diversas campanhas de angariação de fundos, incluindo rifas e realização de espetáculos. De aí resultaria uma das suas designações populares, o "avião das esmolas". O aparelho foi adaptado para a viagem nas oficinas do Grupo de Esquadrilhas de Aviação República na Amadora, tendo sido retirada a carga que pudesse ser dispensada e equipado com depósitos suplementares.

Manuel Gouveia e a equipa de mecânicos preparando o “Pátria” antes da partida.

Batizado de “Pátria”, o avião dirigiu-se como referimos para V. N. Milfontes, onde se realizou a partida oficial, com a realização de uma pequena cerimónia de bênção do avião. De seguida, rumou para o Extremo Oriente, sobrevoando o Norte de África, com escalas em diversos países e regiões, como a Líbia e o Egito, onde os aviadores foram recebidos pelo sultão Fuad I. Cruzaram depois o Médio Oriente, sobrevoando a Palestina, Líbano, Síria, Iraque, Pérsia e a Índia. O percurso era efetuado por etapas diurnas, que foram sendo relatadas com regularidade pela imprensa, com natural impacto na opinião pública.

Aterragem na Índia.

Quando a 7 de maio se dirigiam para Deli, na India, a tripulação teve de efetuar uma aterragem forçada, devido a problemas com o avião. O aparelho acabaria por ficar bastante danificado e sem possibilidade de prosseguir a viagem, colocando em causa a continuidade do voo até Macau.

No entanto, com o apoio da imprensa, organizou-se um amplo movimento que mobilizou todo o país num curto espaço de tempo. Através de concursos, festas, espetáculos de solidariedade, entre outros eventos, foi possível angariar fundos para a compra de um novo aparelho, um De Havilland DH-9A. 

Postal Ilustrado

Denominado de “Pátria II”, partiu de Amballa, na Índia a 30 de maio, apenas 23 dias depois do acidente com o avião inicial. Após mais 11 etapas, sobrevoou Macau a 20 de junho, onde não pôde pousar devido às condições atmosféricas, vindo a aterrar num cemitério chinês, próximo de Cantão. Os aviadores acabariam por chegar a Macau a partir de Hong Kong por via marítima, sendo recebidos entusiasticamente pela população e autoridades locais.

Recepção aos aviadores do avião Pátria, Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia 

A conclusão da viagem foi largamente difundida pela imprensa nacional e obteve também alguma repercussão no estrangeiro. A 9 de setembro de 1924 os aviadores chegaram a Lisboa, tendo sido recebidos quatro dias depois em apoteose no Terreiro do Paço, numa cerimónia onde foram igualmente condecorados pelo Presidente da República.

As posteriores vicissitudes dos aviadores, com realce para oposição politica de Sarmento de Beires, levaram o Estado Novo a praticamente apagar a memória desta viagem do conhecimento público, sendo parcialmente recuperada ao longos dos últimos anos.

Texto: Eduardo Rocha

Bibliografia:

- Catálogo “GEAR – O Grupo de Esquadrilhas de Aviação República, Exposição Temporária, 21 de maio de 2016 a 14 de maio de 2017”, Ed. Núcleo Museográfico do Casal da Falagueira, CMA. pp. 12-13.

- PEIXOTO, M. Lemos, Homens e Aviões na História da Amadora, Ed. CMA.

- RODRIGUES, P. Caldeira (2022) - Ases pelos ares, de Lisboa a Macau, Visão História. 69 - Aventureiros Portugueses da Aviação, pp. 52-57.

- COSTA, C. Miriam (2019) - Pelos Ases, nunca antes atravessados, Seara Nova nº1749

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