Necrópole de Carenque

 A Necrópole de Carenque é um sítio arqueológico localizado numa elevação entre Carenque e a sua ribeira a oeste e os Moinhos da Funcheira a este, na atual freguesia da Mina de Água, na Amadora, em Portugal. Trata-se de uma necrópole (cemitério) edificada no final do Neolítico, sendo constituída por três sepulcros coletivos (Fig. 1) que foram escavados nos calcários brandos que afloram na zona do Tojal de Vila Chã.

Fig.1 - Sepulcro nº3 (Foto ARQA)

Foram descobertos e alvo de intervenção arqueológica por Manuel Heleno em 1932 (Fig. 2) e estão classificados como Monumento Nacional. 

Fig. 2 - Aspetos das intervenções de Manuel Heleno (fotos Museu Nacional de Arqueologia)

O contexto histórico da Necrópole

Fig. 3 - Interior de um dos sepulcros (foto ARQA)
Igualmente designados genericamente de “grutas artificiais”, pela sua forma e por terem sido escavados na rocha calcária, estes sepulcros ou túmulos enquadram-se numa tradição cultural de práticas funerárias relacionadas com o denominado fenómeno megalítico, possuindo também influências mediterrânicas, nomeadamente da sua parte oriental. Surgem numa fase tardia do megalitismo e apresentam características distintivas, nomeadamente em termos de arquitetura e espólio, que são  predominantes numa região que coincide, grosso modo, com o Estuário do Tejo e Sado, salientando-se os paralelos existentes em Cascais (Alapraia e S. Pedro Do Estoril), Almada (S. Paulo) e Palmela (Quinta do Anjo). Nos últimos anos foram igualmente descobertas necrópoles com  características semelhantes no Alentejo e Algarve.

A edificação e as primeiras deposições de cadáveres remontam ao final do Neolítico (4º milénio a.C.), numa altura em que em que as populações da região já tinham adotado uma economia de base agro-pastoril evoluída, numa perspetiva de desenvolvimento das tecnologias de produção pré-históricas. Encontra-se igualmente registada a sua posterior utilização no Calcolítico, igualmente como necrópole.

Arquitectura.

Estes sepulcros possuem uma arquitetura característica, com um esquema base algo similar ao das antas ou dolmens. Possuem acesso por um corredor tendencialmente descendente e maioritariamente voltado a nascente, que comunica com a câmara funerária através de uma antecâmara e um pequeno portal de formas arredondadas (Fig. 3). A câmara funerária possui o topo exterior aplanado, apresentando internamente uma forma subcircular e teto abobadado com claraboia superior central.  É provável que tanto o corredor como a claraboia estivessem cobertos por lajes de calcário, fechando a estrutura ao exterior.

O espólio encontrado nas sepulturas.

O material que foi recolhido nas sepulturas é constituído por algumas ossadas de diversos indivíduos e  pelas diversas oferendas e objetos que os acompanhavam. A análise efetuada aos restos ósseos conclui que se tratam de indivíduos representativos dos tipos humanos que habitavam então o Sul da Estremadura, sendo maioritariamente adultos e jovens, gráceis e de pequena estatura.

Possuímos poucos dados adicionais acerca destes indivíduos, não sendo certo que provenham todos de um mesmo povoado ou que tenham pertencido a um grupo social específico com acesso exclusivo à Necrópole. São igualmente desconhecidos os rituais a que foram submetidos, mas aceita-se de forma genérica, atendendo ao registos arqueológicos contemporâneos, que nas deposições mais antigas os cadáveres possam ter sido acocorados de encontro às paredes, em posição fetal e rodeados das respetivas oferendas.

Fig. 4 - Placa de Xisto (foto retirada de publicação -2)
Destaque para os materiais votivos, que acompanhavam os mortos no ritual funerário e que evidenciam uma rica simbologia associada aos ciclos agrícolas e a rituais de fertilidade. Os mais frequentes são ídolos em calcário, que variam desde os cilindros lisos ou decorados, às representações de utensílios como uma enxó (Fig. 5), tendo igualmente sido recolhidas lúnulas (crescentes lunares) em calcário e placas em xisto decoradas (Fig. 4), ambas com orifícios para suspensão.

Fig.5 - Enxó em calcário (foto de replica - ARQA)
Recolheram-se também objetos utilitários, nomeadamente cerâmicas, instrumentos líticos e metálicos, que teriam um enquadramento simbólico em contexto funerário.  Estes utensílios fornecem-nos importantes informações sobre a economia e tecnologia que possuíam os construtores e utilizadores da Necrópole de Carenque.

O espólio recolhido nas escavações encontra-se em depósito no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa, entidade da qual Manuel Heleno era diretor em 1932, integrando pontualmente exposições desenvolvidas por esta instituição.

Como visitar

Classificado como Monumento Nacional (Decreto do Governo n.º 26/235, de 20 de janeiro de 1936), atualmente este sítio encontra-se musealizado e aberto ao público em geral, dispondo de diversos serviços de apoio ao visitante, nomeadamente uma pequena exposição interpretativa. Realizam-se igualmente visitas guiadas. Tem acesso a partir do topo da Av. Luis de Sá (Serra das Brancas).

> Informação e condições de visita


Clã de Carenque

A ARQA tem vindo a desenvolver um projeto de recriação histórica com fins didáticos, que visa reconstituir a vivência das populações que construíram e utilizaram a Necrópole de Carenque. Atualmente efetuamos neste sítio arqueológico uma apresentação  com periodicidade anual.


Texto de Eduardo Rocha

Bibliografia

1 - BUBNER, T., (1988), Restos Humanos de Carenque, O Arqueólogo Português, série IV, vol. 4, pp.91-148, Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia.

2 - ENCARNAÇÃO, G.; MIRANDA, J.; ROCHA, E., (1999), Catálogo da Exposição do Paleolítico ao Romano, Amadora, Museu Municipal de Arqueologia.

3 - HELENO, M., (1933), Grutas artificiais do Tojal de Vila Chã (Carenque)- Comunicação feita ao Congresso Luso-Espanhol de 1932, Lisboa, Tipografia da Empresa do Anuário Comercial.

4 - MIRANDA, J. A., ENCARNAÇÃO, G., VIEGAS, J. C., ROCHA, E., GONZALEZ, A. (1999), Carta Arqueológica do Paleolítico ao Romano (Amadora), Amadora, Câmara Municipal da Amadora.

5 - ROCHA, E., NETO, N., LUCAS, J. (2008), Clã de Carenque, Uma Comunidade do Neolítico, Amadora, ARQA.


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