Moinhos do Penedo

Fig. 1 -Vista aérea , anos 70 (Imagem ARQA)
No alto dos Moinhos do Penedo, na Amadora, onde se localiza um dos mais privilegiados miradouros do município, existem importantes testemunhos da história local, constituindo um conjunto patrimonial único. Neste sítio foram encontrados vestígios de um povoado do Neolítico Final/Calcolítico Inicial, existindo igualmente dois moinhos do vento, provavelmente com origem no século XVII.

O povoado Pré-histórico dos Moinhos do Penedo.

Descoberto em 1971 por António Gonzalez, este sítio foi identificado na sequência da recolha de diversos materiais arqueológicos nos cortes de uma vala, escavada na vertente sul no âmbito de trabalhos no reservatório de água existente no local.

A intervenção arqueológica subsequente (Fig. 2) contou com a colaboração de Veiga Ferreira e foi levada a cabo por um grupo dedicado à descoberta e investigação do património arqueológico da então freguesia da Amadora, que tinha surgido na anterior década de 60 e da qual o próprio António Gonzalez era um dos fundadores. Constituiu assim a primeira intervenção arqueológica de uma dinâmica local de investigação que iriam mais tarde dar origem à própria ARQA e mesmo ao atual Museu Municipal de Arqueologia (Rocha, 2004, p.32).

Fig. 2 - Aspeto da intervenção arqueologia (Imagem de  MMAA)

A maior parte do espólio foi recolhido em bolsas de acumulação, que se mantiveram apesar da destruição a que local foi sujeito por construções posteriores. Encontraram-se diversos fragmentos de cerâmicas, com formas típicas deste período, nomeadamente taças em calote (Fig. 3), esféricos e vasos de colo alto, destacando-se nas peças decoradas os copos e taças caneladas, bem como as cerâmicas com bordos denteados. 

Fig 3 - Vaso Esférico  (imagem reproduzida de (1))
Salienta-se ainda a recolha de utensílios líticos em sílex (Fig. 4), como pontas de seta e lâminas retocadas, produzidos com matéria prima que podia ser obtida na vertente norte da elevação, onde um filão de sílex aflora em diversos pontos. Foram ainda recolhidos vários artefactos em pedra polida associados à atividade agrícola, como machados, um sacho e enxó, produzidos neste caso com rochas inexistentes na região (como os anfibolitos e afins), evidenciando a ocorrência de um sistema de trocas ou comércio inter-regional (Miranda & alii, 1999, pp.40-44).

Este conjunto de materiais constituem testemunhos de um assentamento humano do Neolítico Final / Calcolítico Inicial, de cronologia contemporânea à fase inicial de edificação da Necrópole de Carenque, que se localiza nas imediações, a cerca de 1.300 metros para noroeste. De resto, este local desfruta de uma significativa relação visual com importantes relevos geográficos, como as serras de Sintra e do Monsanto.


Fig. 4 - Lâmina e elementos de foice (imagem reproduzida de (1))

Apesar de não terem sido identificadas estruturas de habitação, as características do materiais arqueológicos encontrados, nomeadamente as peças cerâmicas e os utensílios líticos agrícolas, apontam para uma presença permanente ou semi-permanente neste local, de um grupo que já praticava uma agricultura evoluída no contexto da pré-histórica, aproveitando provavelmente os férteis terrenos basálticos em seu redor.

Evocando a memória deste povoado, do lado norte do reservatório de água, estão representados alguns dos artefactos encontrados no local, nomeadamente dois dos utensílios líticos identificados (Fig. 5).


Fig. 5 - Moinho oriental e as duas representações de utensílios líticos no Depósito de Água (Imagem ARQA)

Os moinhos de vento

Existem igualmente dois moinhos de vento, que deram origem à denominação do sítio, em associação aos penedos basálticos que ai existiam e dos quais hoje restam apenas vestígios.

Estes moinhos, à semelhança de muitos outros na região, tinham uma estrutura típica constituída por uma torre feita em alvenaria de pedra, recorrendo à rocha basáltica da região. Possuíam dois pisos ligados por uma escada, sendo a cobertura constituída pelo capelo, onde apoiava o eixo central do mastro. O capelo rodava, possibilitando a orientação das velas de acordo com a direção do vento. Na torre assentavam os mecanismos do moinho, nomeadamente o aparelho motor externo com o mastro e as velas para captação da energia eólica, e o mecanismo de moagem, colocado dentro da torre e constituído por um ou dois pares de mós. Interligando estes dois sistemas, um conjunto de engrenagens transmitiam a energia eólica captada pelo aparelho motor externo ao mecanismo das mós (Miranda e Viegas, 1992, pp. 34-62).

Fig 6 - Trabalhos de restauro de um dos moinhos, anos 70 séc. XX (imagem ARQA)

É provável que a origem deste moinhos remonte ao século XVII, sendo o período de maior atividade a segunda metade do século XVIII, época em que existem registos do mais elevado número de moinhos em funcionamento (Miranda, 2004, p.11).

Uma das principais fontes de informação sobre as pessoas que possuíam e utilizaram os moinhos, são os registos do imposto da "Décima da Cidade", sendo que para o Moinho do Penedo foi transcrita a seguinte inscrição para uma das paredes do reservatório de água:

Moynho de vento de Ignacio Luis que fás por sua conta avaliado em trinta mil reis de que habatido os trinta por cento se sahe com vinte e hum mil reis, moleyro Antonio Delgado, tres mil reis por mês, carreteiro José Pedrozo, dous mil e quatro centos reis por mês.

(Imposto da décima deste moinho – 1764).

Ao longo do século XIX, com maior incidência na sua segunda metade, o desenvolvimento da industrialização levou ao progressivo abandono deste processo de moagem a favor de tecnologias de produção mais rentáveis, assentes em novas fontes de energia (vapor e mais tarde elétrica), reduzindo-se o número de moinhos ativos até praticamente estarem todos desativados na primeira metade do século XX (Miranda, 2004, p.12).


RECONSTITUIÇÃO VIRTUAL MOINHO DO PENEDO


As ruínas dos Moinhos do Penedo foram alvo dos primeiros trabalhos de conservação e restauro no final da década de 70 (Fig. 6), levados a cabo pelo mesmo grupo que tinha efetuado a intervenção no povoado pré-histórico. Posteriormente, em 1994, trabalhos de arqueologia identificaram o caminho para um dos moinhos, bem como diversos materiais no seu interior.

Reconstruídos em 1998, estes moinhos foram recentemente requalificados, sendo um deles (oriental) um núcleo museológico do Museu de Arqueologia e o outro (ocidental) a atual sede da ARQA (Fig. 7).


Fig. 7 - O moinho ocidental, atual sede da ARQA (imagem do autor)


Texto: Eduardo Rocha

Bibliografia:

MIRANDA, Jorge; VIEGAS, João (1992) – Moinhos de Vento no Concelho de Oeiras. Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras.

MIRANDA, Jorge (2004) - Cintura Moageira Pré-Industrial de Lisboa – breve caracterização. ARQA, Património em Revista. Amadora: Nº1, pp 6-15.

MIRANDA, Jorge; ENCARNAÇÃO, Gisela; VIEGAS, João; ROCHA, Eduardo; GONZALEZ, António (1999) – Carta Arqueológica da Amadora: do Paleolítico ao Romano. Amadora: Câmara Municipal da Amadora.

ROCHA, Eduardo (2004) – Descobertas Arqueológicas na Amadora. ARQA, Património em Revista. Amadora: Nº1, pp 28-35.


Fontes das imagens:

ARQA – Associação de Arqueologia e Proteção da Amadora

MMAA – Museu Municipal Arqueologia da Amadora

(1) ENCARNAÇÃO, Gisela; MIRANDA, Jorge; ROCHA, Eduardo (1999) – Do Paleolítico ao Romano: Catálogo da exposição. Amadora: Câmara Municipal da Amadora.





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