Fábrica de Espartilhos Santos Mattos


 A alteração da realidade económica local, com a emergência da atividade comercial e industrial, teve neste período uma empresa emblemática. Foi na Amadora que existiu a maior fábrica de espartilhos do país, fundada em 1895 pelo industrial José dos Santos Mattos. Nascido em Lisboa a 14 de Setembro de 1871, de uma família oriunda de Coimbra, era filho de João dos Santos Mattos, que fundou em Lisboa, na Rua Nova do Almada, uma loja especializada na venda de espartilhos. O estabelecimento mudou-se mais tarde para a Rua do Ouro. Em 1893 João dos Santos Mattos trespassa a casa da Rua do Ouro a seu filho José dos Santos Mattos, ao sobrinho José Augusto Roubaud e António Rodrigues Correia, que constituem a firma SANTOS MATTOS & Ca.


Esta firma cria em 1895 uma pequena oficina para a confeção de espartilhos artesanais na Porcalhota, onde emprega inicialmente 6 operárias locais. Em 1902 é construida a Fábrica de Espartilhos a Vapor, pois o sócio José A. Roubaud, de origem francesa, trazia para Portugal todas as novidades do fabrico destes produtos em França, sendo um dinamizador do uso de novas tecnologias. Esta fábrica instalou-se em terrenos  de uma quinta que João dos Santos Mattos já possuía na Porcalhota, que por se encontrar próximo da linha de comboio, facilitava a deslocação entre a fábrica e a loja da Rua do Ouro. A sua localização junto à linha proporcionava igualmente uma visibilidade e publicidade acrescida. Este edifício era composta por duas grandes salas em igual número de andares, cada uma com um formato de 39m por 6m, existindo no primeiro andar uma galeria com acessos à oficina. Em 1904 regista-se a construção de mais dois anexos à fábrica, para aumento da produção, passando a unidade fabril a contar já com 90 operárias, sendo a produção distribuída por todo o país e ilhas, onde existem já vários agentes de venda. 

A procura dos espartilhos era de tal ordem crescente, que com os anos a fábrica foi aumentando a produção e variedade de artigos, fabricando para várias bolsas, com tecidos que iam da sarja a seda lavrada e diversos tipo de barbas, variando os preços de acordo com os materiais utilizados.

Fabricava espartilhos de vários tipos, para grávidas com elásticos, amas com abertura nos seios, para crianças e jovens e ainda um artigo de luxo para a época – a cinta espartilho-medicinal que só era confecionada por medida. Produzia ainda corselets (soutiens) numa grande variedade de modelos e preços, bem como diversos tipos de cintas. Grande parte destes artigos era recomendada por médicos.  Dos vários artigos produzidos faziam igualmente parte pequenas almofadas, confortadores, assim como ancas e seios postiços, ou artigos mais curiosos como as “promenettes” (faixa com alças para crianças aprenderem a andar), e o calção “Kilosa” para ser usado nos períodos mensais das senhoras (com pensos amovíveis e laváveis). 

Em 1911 já a fábrica tinha 200 operários, na sua maioria mulheres, com uma carga horária de 10 horas no verão e 9 horas no inverno. Tinha uma produção anual de 10 toneladas de barbas de baleia e 200 mil grosas das de aço, e produzia cerca de 75.000 espartilhos por ano, para além dos outros artigos.

Nesse ano a firma começa as negociações para a instalação de energia elétrica, pois até então era utilizada a energia a vapor e a gás, sendo instalado (em data anterior a 1917) um gerador acionado por um moinho de tipo americano, um aerodínamo de fabrico alemão. A empresa dispunha já de transporte próprio para escoar os produtos fabricados, e criou também infra-estruturas para apoio a atividades desportivas, nomeadamente ringe de  patinagem e campo ténis, bem como o salão dos Recreios Desportivos (1914) Estes equipamentos desportivos eram geridos por uma Sociedade criada para o efeito. 

Mas a Grande Guerra de 1914-18 viria a alterar os hábitos de consumo, nomeadamente no público feminino, procurando uma maior liberdade de movimentos e conforto, sendo igualmente associados os espartilhos a problemas de saúde. Os médicos começaram a desaconselhar o seu uso, pelo que a fábrica começou a concentrar-se no fabrico dos produtos alternativos, nomeadamente as cintas e soutiens. No  final dos anos 20 a firma ganhou um concurso para fornecimento de cintas medicinais ao Instituto de Oncologia, e pelo menos até à década de 40 fabricava para além das cintas e soutiens, outros produtos como ligas, espartilhos medicinais, fundas para hérnias, sendo que nos anos 50 e 60 passou a produzir cintas de elástico que vieram substituir as anteriores de tecido. 

Por fim, com a diminuição do negócio a fábrica seria encerrada e posteriormente demolida em 1970-75, para dar lugar um empreendimento habitacional. Por essa altura outras industrias já se tinham espalhado por áreas mais periféricas ao aglomerado urbano, com destaque para o Parque da Venda Nova.


Autoria: Eduardo Rocha e Carmo Amaral

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